A ideia da morte incomoda-me. Para além da questão metafísica, ou do pequeno calafrio que me provoca aquela possibilidade de nunca mais voltar a existir, o que me incomoda é todo o ritual. O verdadeiro problema com a morte é que é a coisa mais mórbida que há.
A morte dos comuns não tem nenhum sentido estético, nenhuma nobreza no modo como se entrega um corpo à terra. O caixão solene, uma fotografia demasiado recente, a retroescavadora no cemitério, as covas já abertas para a próxima dezena que está para chegar, as palavras fúnebres, mortuárias, funerárias. Tudo rima com defunto e finado, beatas e carpideiras. É uma cerimónia de dor, de angústia, uma despedida cinzenta pensada para amplificar a tristeza dos que ficam, esquecendo quem parte. Falta alma aos funerais.
Mário de Sá Carneiro dizia: “quando morrer, chamem palhaços e acrobatas”. Essa seria a única forma de celebrar condignamente a partida de alguém. Com a sua música preferida, os seus melhores momentos, as fotografias de férias e de infância, as anedotas que contava, o modo como se ria. Uma despedida alegre que celebrasse também a vida, feita das imagens e palavras que são muito mais eternas que nós.
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1 comment:
muito bom! nao podia concordar mais com o ultimo parágrafo! é bem johhnie walking!! Como diria Fernando Pessoa (acho...): "morrer é apenas não ser visto".. not dead but gone forever.. porque nao celebrar a morte como um aplauso a quem passou pela vida...
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