Tuesday, February 07, 2006

O Regresso de Zorro

As mulheres compram roupa da mesma forma que procuram o homem da sua vida. Reparam nela, trocam olhares. Experimentam, mas não têm a certeza, vêem-na uns dias depois. Contam umas às outras, ando a namorar uma camisola. Os homens, claro, não têm pachorra para este ritual de aproximação, é tudo muito mais imediato e à primeira vista, vêem, experimentam, gostam, e se conseguirem levam-na para casa.

Os homens não gostam de ir às compras, ou pelo menos têm o bom senso de nunca o admitir. Mas a verdade é que gostamos de roupa, apesar do nosso vocabulário limitado não permitir que façamos realmente a distinção entre um pullover e uma sweater. Chamamos “kit” ao nosso conjunto preferido, porque tem muito mais estilo e faz-nos pensar que estamos a falar de mecânica. Temos a nossa t-shirt da sorte, a que insistimos em vestir vezes sem conta apesar de nunca mais nos ter dado sorte desde aquele Verão de 93. Golden Boy.

Como a generalidade dos psicólogos, acredito que a maioria dos nossos comportamentos são vestígios de um comportamento que tínhamos em crianças. Nos homens é particularmente fácil fazer essa ligação à infância, até porque a maioria de nós ainda vive nela. Um homem sabe imediatamente se gosta de uma peça de roupa quando a veste e se consegue imaginar dentro do fato do Zorro, quando era miúdo. É o teste definitivo. A roupa certa eleva-nos a autoconfiança ao ponto de nos tornar num vingador de capa e espada, capaz de fazer frente aos porteiros do Lux ou insultar implacavelmente qualquer taxista que se atravesse à nossa frente.

Thursday, February 02, 2006

Mário Crespo, um Tributo

O Mário Crespo é a Sophia Loren da televisão portuguesa. Soube envelhecer sem se tornar um vestígio televisivo dos anos oitenta, imune à júlioisidrisação que atacou todos os outros apresentadores do seu tempo, que acabaram a apresentar o sorteio da Lotaria Nacional ou a anunciar trens de cozinha no TV Shop. Eládio Clímaco, Luís Pereira de Sousa, Serenella Andrade. Se tivessem partido, como o Carlos Paião ou o António Variações, todos os lembrariam com saudade. Continuando, são como aquelas fotografias antigas de quando éramos bimbos, que preferimos esconder no fundo da gaveta.

O Mário Crespo não lê as notícias, aliás raramente olha para o papel ou para o teleponto. Talvez seja mais consequência da miopia que estilo jornalístico, mas não deixa de ter o seu charme. Ele conta-nos uma história, devagar, docemente, sem pressa de chegar ao fim, pedindo licença para nos dar as notícias com as palavras dele. Se estivermos distraídos, ouvindo-o ao longe parece que subitamente Israel fez a paz com os palestinianos e que foi descoberta uma vacina para a Sida.

A apresentar o 60 Minutes, sente-se a sua paixão pela profundidade das notícias, pela investigação, pela verdade, como se tivesse estado lá no terreno e preparado exaustivamente todas as perguntas a fazer. Ele sabe do que fala. Mesmo que faça só uns trechos de ligação entre as reportagens da CBS, cumpre o papel com a dignidade que se impõe ao serviço cívico, diligente, sóbrio, eficaz.

Uma das grandes qualidades do Mário Crespo é a simplicidade de não precisar de mais do que dois nomes para se afirmar. Rodrigo Guedes de Carvalho, José Rodrigues dos Santos, José Alberto Carvalho, Fátima Campos Ferreira, Alberta Marques Fernandes. Que raio, até a Judite Sousa insiste em ser Judite de Sousa!

O Mário Crespo é o velho Panoramix das histórias do Asterix, o druida, o sábio, guardião da sua tribo. O nosso Walter Cronkite, Tom Brokaw ou Peter Jennings. Uma âncora da televisão portuguesa, um refúgio da histeria sensacionalista dos tempos, que pode não ter sempre as melhores notícias para nos dar, mas estará sempre lá para que possamos compreender e aceitar um pouco melhor o mundo em que vivemos, todos os dias.