Wednesday, August 31, 2005

Elogio do Sossego

Gosto de sossego. Começa pela palavra em si, sossego, tão musical que parece ter sido pensada para embalar e ser dita baixinho, como um sussurro. Shh...

Ter um pouco de sossego não é fácil nos dias que correm. Antes para ter sossego bastava esticar os pés e calçar umas pantufas. Isso é que era bom. Não fazer nada era simplesmente o suficiente para termos sossego.

Hoje, para termos sossego, temos que ter algum trabalho. Temos que o preparar, marcar na agenda, às vezes até com alguma antecedência para não interferir com outros planos. Falo de sossego a sério, quando o tempo é realmente nosso e passa sem darmos por ele, assim de mansinho, e não de quaisquer cinco minutos de pausa. Have a break, have a Kit Kat? Para mim não chega.

O telemóvel é o maior inimigo do sossego, é como uma secretária demasiado eficiente que nunca se esquece de nos dar um recado. E que automaticamente nos obriga a responder a uma chamada, a um toque, a uma mensagem, e já agora a tê-lo ligado a qualquer hora do dia.

Não responder a uma mensagem, sem uma explicação decente, é sem dúvida má educação e falta de respeito. Desligar o telemóvel por umas horas só porque não queremos ser interrompidos vai exigir explicações: estamos sem rede, sem bateria, caíu à água, no fundo não interessa desde que seja remotamente plausível. Se desligámos o telemóvel e ele funcionava perfeitamente, somos anti-sociais ou estamos a caminho de uma depressão. Nunca a caminho do sossego.

Mas estar sossegado não implica ser um eremita ou anti-social, muito pelo contrário. Muitos dos meus melhores momentos de sossego são passados com amigos ou família, ao vivo e a cores, sem zapping ou interrupções.

Pelo direito ao sossego, por de vez em quando preferir uma conversa cara-a-cara sem toques polifónicos ou voicemail, à pausa para intervalo nestes dias que correm por vezes rápido demais.

Tuesday, August 30, 2005

Desperate Housewife

A minha vizinha de baixo cheira mal. Em mais do que um sentido.

Não se trata apenas de uma falta de higiene pessoal. Isso seria estatisticamente normal e passaria facilmente despercebido nos transportes públicos.

O problema da minha vizinha é que ela tresanda a um mistério sujo e mesquinho, daqueles que as almas sinuosas fabricam quando a vida é vazia demais.

Para a descrever fisicamente é mais fácil começar por imaginar um homem. Um homem feio. Um homem feio, baixinho, gordo e a perder cabelo à frente. Acrescente-se um peito disforme e que começa debaixo dos sovacos, uns óculos à Mário Crespo nos anos 80, os dentes do Austin Powers e temos o retrato fiel da minha vizinha.

Vive sozinha e trabalha na Função Pública, num departamento obscuro onde certamente terá muito ainda que carimbar até ao fim dos seus dias, e faz as manhãs de Sábado na tabacaria do bairro para arredondar o fim do mês e ouvir em primeira mão as últimas intrigas da vizinhança. E certamente espalhar as suas.

A minha vizinha tem a idade incerta de quem deixou de cantar os parabéns por não ver nisso grandes motivos para festejar, uma idade que posso com alguma segurança situar algures entre os 30 e os 50 anos. Umas quantas décadas a cuidar dos pais doentes na sua casa da Estrela, uma vida humilde, uma pobreza amargada por ver o seu bairro recuperado e ter agora que suportar a proximidade de casais novos com algum dinheiro, exibindo ostensivamente a sua felicidade e as suas crianças pequenas, sorrisos que ela sempre invejou.

Até há bem pouco tempo, tinha por companhia um cão que ladrava incessantemente atrás da porta fosse a que horas fosse e deixava um cheiro a pêlos nas escadas da entrada, mas eu até encarava tudo isso desportivamente. Sempre gostei de cães, e deste só conseguia sentir pena. Provavelmente ladrava para o virem salvar, mas a morte levou-o primeiro. Paz à tua alma, Spencer.

A casa dela, pelo que pude entrever à soleira da porta, é um covil sombrio cheio de bonecas, sinais de uma solidão acelerada (às vezes oiço-a a falar sozinha, palavrões até). Uma colecção de bonecas de cerâmica, de olhos fixos de vidro e pestanas longas, com folhos, o cenário perfeito para um filme de terror série B.

...mas tudo isto me passaria ao lado, entre os cordiais “bom dia” e “boa tarde”, não fosse o incidente do respiradouro. Um conflito transfronteiriço entre condóminos, de contornos longos e detalhes maçadores, em que motivada por uma inveja mesquinha a minha vizinha me partiu uma estrutura de madeira que protegia as janelas do respiradouro do pátio.

Até aí inofensiva, a minha vizinha demonstrou da pior forma uma total falta de civismo, de educação, das mais elementares regras de convivência. Ou dito de uma outra forma:

Helena, seu bicho cobarde e rasteiro, escória da humanidade, vai morrer longe e leva a infelicidade contigo!

Thursday, August 25, 2005

Life is not like a box of chocolates

Esta citação do Forrest Gump irrita-me, digamos, sobremaneira.

Primeiro, porque me lembra a voz trémula e lamechas da Sally Field, e eu não gosto da Sally Field, com aquele ar de quem nunca se divertiu senão em bailes de paróquia e o nariz empinado que parece ser o resultado trágico de um cruzamento entre a Barbra Streisand e um french poodle. E depois ainda nos quer ensinar o que é a vida.

Segundo, porque a vida não é como uma caixa de chocolates, por mais paralelismos que se façam e por melhores que sejam os chocolates. Nunca encontrei um que me desse o frio no estômago que sentimos antes de um primeiro beijo, que me arrepiasse como a areia sobre a pele molhada, ou que me fizesse sentir a vibração de cada veia do meu corpo e a respiração profunda que nos percorre depois do Amor. Embora uma vez tenha chegado bem perto com um Côte D'Or.

Em matéria de citações cinematográficas sobre a vida, a última que me chamou a atenção foi esta. Não é a vida toda, mas parte dela.

Life is not about how much breaths you take, it's about the moments that take your breath away.

Tuesday, August 23, 2005

Estrela Open Air - o Cartaz











Depois da "ante-estreia" ontem do Batman Begins, está finalmente disponível o cartaz completo do Estrela Open Air 2005. Devo realçar que a qualidade de som e imagem, a par do cenário fabuloso do Jardim da Estrela compensam largamente o ocasional casal de velhinhos que decidiu pôr a conversa em dia ali mesmo na fila F do cinema, e no fundo só temos que respeitar porque afinal estamos no território deles.

É todos os dias às 22h, e a entrada é livre.

Aqui está o cartaz:
Dia 23 - Closer (Hoje)
Dia 24 - Hitch
Dia 25 - Kung Fu Zao
Dia 26 - Blade Trinity
Dia 27 - Assalto à 13ª Esquadra
Dia 28 - Oceans 12
Dia 29 - Constantine
Dia 30 - Ligação de Alto Risco
Dia 31 - A Domadora de Baleias

Wednesday, August 17, 2005

Lost Friends

Amigos de infância, amigos do liceu, amigos de férias, amigos da universidade, amigos de copos e de noitadas, amigos dos amigos. Ao longo da vida vamos conhecendo pessoas e fazendo delas merecedoras do título de "amigo".

Às vezes temos muito pouco em comum, pouco mais do que a mesma vontade de fugir a correr para o recreio para jogar aos berlindes e puxar as tranças às miúdas, mas é o suficiente para acharmos que vamos ser melhores amigos a vida toda.

Mas vamos crescendo, mudamos de casa, de escola ou de país até, mudamos de gostos e de aspirações e quase sem darmos por isso deixamos simplesmente de nos encontrar.

Se já tiveram um jantar de liceu ou um reencontro de amigos do colégio sabem como a experiência veste de desilusão as nossas memórias. Revemos miúdos agora com barba por fazer e voz grossa, as raparigas casaram-se e os olhos azuis que nos encantaram já não são os mesmos. Todos se tornaram desinteressantemente em engenheiros, médicos ou gestores e ocupam-se agora das coisas sérias da vida. Somos todos velhos quando nos comparamos com a infância.

Adoro os meus amigos de hoje, os de sempre e os que chegaram, os que foram escolhidos e me escolheram para o grupo mais restrito dos que continuam.

Mas lembro também os amigos que passaram, porque deixaram de ser parte da minha vida mas serão sempre parte de mim.

Ao Nicolas, ao Alexander, ao Zé Filipe, ao Becas, ao Daniel, à Madalena, à Ana Isabel, ao Pedro e a tantos outros.

Obrigado a vocês, crianças eternas, onde quer que estejam.

Tuesday, August 16, 2005

Salvem as Delícias do Mar!









Esta maravilha da genética está para mim entre o top dos grandes mistérios da humanidade. Algures entre o Triângulo das Bermudas e o frequente desaparecimento de meias das nossas gavetas.

A Delícia do Mar. O próprio nome é um verdadeiro embuste publicitário. Primeiro, Delícia aquilo não é de certeza. Sabe a plástico que se farta. E não me consta que tenha alguma vez visto o mar. Alguém já viu um cardume de Delícias do Mar, alegremente agitando as barbatanas entre algas e corais? Uma reportagem do Odisseia sobre a época de desova das Delícias do Mar? Alguém já pediu uma Delícia do Mar escalada no Aqui há Peixe?

Para quem se interessa por iguarias gastronómicas, fiquem a saber que a Delícia do Mar é uma pasta comprimida de restos de um peixe de baixo valor comercial chamado surimi , à qual é retirado o sabor e a cor, e no fim adicionado um aroma de caranguejo ou lagosta. Yum, yum...

Indiferente a estas questões, nesta new age da alimentação pós-vacas loucas em que tudo o que comemos e bebemos é passado a pente fino, a delícia do mar subsiste, imune aos tempos.

É um pouco como a Coca Cola. Ninguém sabe de que é feita, tem um aspecto escuro e esquisito, é hiper calórica e mesmo assim continuamos a dá-la às criancinhas. Mas a Coca Cola ainda percebo, sempre tem um marketing fortíssimo, 40.000 funcionários, estratégias promocionais agressivas e o poderoso lobby da maior multinacional do mundo.

O que permanece um mistério para mim é como é que a Delícia do Mar, sem lobby ou marketing que se veja e com meios que não devem ir para além de um gabinete sabujo e uma arrecadação nas traseiras do Porto de Leixões, continua a ser encontrada em qualquer supermercado e tasquinhas deste país.

Ao menos chamem-lhe Torresmo do Mar, que é o que aquela #&#@ é!

Estrela Open Air











De 22 a 31 de Agosto, ou seja a partir da próxima 2ª feira, vai haver de novo cinema ao ar livre em pleno Jardim da Estrela.

O cartaz ainda não está anunciado, mas também não é o mais importante. Com árvores centenárias a toda a volta, a Basílica bem perto e o céu estrelado por cima, o cenário é imperdível. Ah, e é entrada livre, o que se agradece em tempos de crise.