A tua Mãe chama-se Filipa. Nasceu há trinta e dois anos, filha do Manel e da Fátima, teus avós maternos, que na altura viviam em Portimão, no sul de Portugal. Chegou com a Primavera, quando no Algarve os primeiros dias de Sol arrancam à terra a brisa quente que traz consigo uma promessa de amendoeiras.
Em bebé era um pequeno buda de bochechas gordas e passos redondos, aprendendo sobre o triciclo a dominar a força criadora das suas mãos e a energia inquieta das suas pernas cheias de refegos. De franja curta e sorriso reguila para as fotografias, o bebé cresceu e fez-se uma menina bailarina de gestos delicados, dançando pela infância ao som circular de uma caixa de música.
A bailarina cresceu também, e fez-se mulher guardando nos gestos toda a leveza feminina da dança. Aluna exemplar, entrou pela vida de adulto num trabalho como deve de ser, mas cedo sentiu que queria mais para si do que a segurança da previsibilidade. Tornou-se artista, transformando a monotonia do barro num mundo mágico de tartarugas e peixes, meninas que brincam de mãos dadas pela rua e bailarinas que esperam o amor ao cair das estrelas. Painéis, esculturas, candeeiros, cinzeiros ou puxadores nasceram das mãos criadoras da tua Mãe e estão hoje espalhados em casa desses muitos amigos e anónimos que levaram consigo um pouco dessas memórias do barro.
Eu e a tua Mãe acabámos por nos encontrar pelas coincidências próprias de tudo o que parece estar escrito, como se um caminho estivesse já desenhado para nós e só tivessemos que o percorrer. Fizemos um mundo nosso sem precisar de palavras, pressentido desde cedo que o futuro nos pertencia e nos convidava a sonhar, sem pedir licença.
Conhecemo-nos vivendo a dois e em cada descoberta fomos renovando essa certeza que o caminho era mais longo e havia muito para ver. Fizemos a nossa casa na Estrela, um refúgio à nossa imagem decorado a histórias de viagens e segredos guardados sob um abraço dourado de Klimt. Percorremos o mundo à procura de mais estrada, atravessámos fronteiras perseguindo a linha do horizonte, passámos uma vida inteira um com o outro, juntos ao longo de oito meses.
Com o tempo conheci-a melhor, o seu modo simples de ser e de nos fazer sentir bem. A tua mãe gosta de pessoas, e essa é apenas uma das razões que faz com que gostem tanto dela. Tem uma sensibilidade invulgar para as emoções dos outros, um genuíno interesse em ajudar que é tanto a fonte da sua força como da sua vulnerabilidade. Gosta de conversar, seja de assuntos sérios do nosso mundo ou de trivialidades de criança, e tem dentro de si mesma a sabedoria adulta e a criança eterna.
Vais adorar conhecê-la. A primeira vez que vi a tua mãe, pressenti nela algo de maternal, uma ternura que convidava a ficar. Um olhar confiante e sorridente, como uma casa de fundações seguras e janelas abertas para o mundo. Uma beleza doce, serena como uma lareira a crepitar.
Espero que um dia possas amar alguém como eu amo a tua Mãe, meu filho. É algo único, raro, e precioso, um amor do qual tu também serás testemunha. Nasces de um amor intenso, novo como a manhã que todos os dias se renova, maduro como um vinho que toma o gosto da sua história. Um amor destes, tem sempre espaço para mais um.
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9 comments:
Emoção pura,a mais bonita carta que li até hoje.
Um grande beijinho à Pepa e ao João, feliz Gastão que tão lindos pais tem.
Brasília, 30.11.08
..e a carta aberta que te escrevi a ti, não foi a mais bonita?
Hoje é para a Pepa.
Desde o primeiro dia te disse que eras bem vinda a nossa casa, e esse sentir, tem-se reforçado ao longo dos tempos te temos contactado. És mais do que bonita és de facto uma pessoa de quem se gosta, porque tu gostas das pessoas de um modo simples sem te esforçares e sendo apenas tu, sempre.
Gostares do João (que é tão intelixente..) é outro grande atributo teu aos meus olhos de mãe. Tu tens sabido torná-lo melhor, mais doce e mais sensível aos outros.
O teu filho tem sorte em te ter como Mãe e a vos ter como Pais, porque ele será concerteza um menino não só bonito e inteligente, mas também e principalmente Feliz!
Obrigada, minha Querida, por seres minha nora e por dares tanto amor aos meus meninnos.
Sogrinha
ehehehehehehehehehe!!!! tá tão bonito sim senhor!!
Gastão, depois de leres estas cartas vens jogar à bola com o Tio Maccoy para o jardim da Estrela e puxar as saias às senhoras na rua... se o teu pai te deixar brincar com o Tio Maccoy, claro... e depois quando fores mais velho vens com o tio brincar às imperiais de penalty - saímos a partir das 10 quando a mãe já estiver a dormir..
Grandes Vaaaaales!!!
Também quero uma carta!!!!! Pode ser "Décima quinta carta, sobre o teu tio que aturou o teu pai quando o teu pai andava feito parvinho enamorado a mandar flores e presentes à tua mãe para a conquistar, à procura de números de telefone de hotéis sabe-se lá onde, e que actualizava o teu tio com novidades diárias mesmo sem o teu tio lhe perguntar alguma coisa, e que nunca mais desamparou e ao mesmo tempo que estás a ler esta carta ele provavelmente está ao teu lado porque veio cá a casa cravar jantar!"
Os teus grandes olhos imensos, cor de mares e areias - apesar de míopes - conseguem detectar pequenos reparos singulares que só a perspicácia de um contador reconhece; mas não foram eles que escreveram o texto: a clarividência com que "historiorisas" a minha irmã é feita com o teu coração, com a capacidade que o amor tem de ler no outro aquilo que nem o próprio sabe. A magia com que descreves essa princesa encantada corre em rios de lágrimas que se contêm nas margens das pálpebras de quem te leu; a pureza natural do teu sentimento é tão sublime, que só posso gostar de ti, por gostares tanto dela...
Sis
...
a pureza com que desenhaste em pequenos traços a essência dessa estrela cintilante fez-me sentir um orgulho em te saber meu irmão...
Sis (again...)
Finalmente cheguei cá, ao "cantinho" do Gastão Dias do Vale.
E após ter lido as cartas do teu Pai e os comentários de teus avós e tios, que um dia também tu irás ter oportunidade de ler,fiquei de tal forma emocianado que não consegui conter as lágrimas, mas lágrimas de muita felicidade.
Nada mais agradável do que chegar a um local e sentirmo-nos rodeados de felicidade porque tudo o que vemos à nossa volta irradia felicidade e amor. E esse local é o teu "cantinho", Gastão.
Na verdade, se bem reparares - e um dia terás oportunidade de o fazer - nos dias que correm fa-se de crise, de violência, de assaltos, de bombas, de guerras, etc....
Mas quando entramos neste teu "cantinho" não se fala em nada disso; será que é esta a base duma nova civilização?
Obrigado pelo conforto que senti neste teu "cantinho" de onde saio profundamente orgulhoso por de algum modo ter contribuído para a criação do mesmo.
Um beijinho para Ti e para a tua Mãe e um abraço para teu Pai do
Bridge Master
A carta aberta que me escreveste, querido G, foi diferente, foi a mim e estará sempre comigo, no meu coração, na memória sempre presente que me dá vida e faz olhar para as nuvens sempre lembrando o céu da Flandres, que partilhámo no tempo que foi nosso.
Olá joao!Muito bonito, escrevo mais mais tarde porque agora nao quero cortar a magia da tua carta.
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