Saturday, November 15, 2008

Segunda carta, sobre o teu Nome

Que enorme e estranha responsabilidade, a escolha de um nome. O nome pelo qual seremos conhecidos toda a vida, que para nós se confundirá até com a nossa própria noção do "Eu", é afinal escolhido pelos nossos pais antes ainda de nascermos, quando toda a nossa personalidade é ainda um mistério insondável, uma essência em formação.

Quando nos conhecemos, eu e a tua Mãe, como todos os casais apaixonados fizemos planos de futuro, um futuro ao qual já pertencias sem nós sabermos, e projectámos os nomes que daríamos aos nossos filhos. Vicente, Tomás, Beatriz ou Vera eram alguns dos nomes desses meninos e meninas que, ainda sem corpo ou alma, ganhavam forma na nossa família imaginária.

E um dia soubemos que vinhas a caminho. Na tua segunda ecografia mostraste-nos orgulhosamente que eras um rapaz, e desde logo soubemos também o teu nome: Gastão.

Um nome diferente, é certo, pouco comum até nos dias de hoje dirão alguns. Mas um nome com história também. A história particular do teu nome nasceu muito antes de ti, no avô do teu Pai que para ti também será o Avô Gastão.

O teu Avô nasceu há muito tempo atrás, na década de 1920, um tempo antigo em que não havia televisão e as pessoas passavam os serões a conversar e a ouvir as notícias na rádio. Eram ainda poucos os carros que atravessavam as cidades, e os primeiros aviões começavam a cruzar os céus para estranheza dos pássaros.

A muita coisa assistiu o teu Avô Gastão: à guerra e à paz e a outras aventuras dos homens, histórias próximas e distantes que um dia terá oportunidade de te contar, e às quais terás que prestar muita atenção. Afinal, há muita sabedoria em quem viveu mais anos que nós, quem viu nascer tudo o que nos é familiar e ouviu em primeira mão as notícias que agora se escrevem nos livros de história.

Algumas das minhas melhores e mais presentes memórias de infância foram passadas com o teu Avô Gastão. Sempre foi o meu companheiro de brincadeiras. Foi o Avô que sempre conheci, o meu único Avô por razões diferentes da vida, que desde pequeno me acompanhou e me levou pela mão nos seus (nossos) passeios de fim de semana.

Lembro-me como se fosse hoje das idas ao Campo Grande para andar nos carros a pedais ou das idas ao Estádio da Luz, duas horas antes do jogo e com um farnel preparado, gloriosas tardes de Domingo em que aprendi a ser do Benfica e a conhecer de cor os nomes dos jogadores. Lembro-me do movimento que o seu Citroen BX fazia a levantar as rodas antes de arrancar, os seus muitos objectos de antiquário caseiro acompanhados de curiosas explicações, ou das longas e bem arrumadas colecções de selos de países desconhecidos que exerciam um estranho fascínio em mim. Lembro-me de muitas pequenas coisas, como o prazer que sempre teve numa boa refeição, a forma única que tinha de nos fazer cócegas até chorar a rir, ou de expressões muito suas como "tufa!", "tou, tou!" ou "levado da breca".

No mundo dos adultos e das suas regras, às vezes difíceis de perceber, o Avô Gastão nunca teve filhos, pelo menos de sangue e cartório notarial. Mas a verdade é que teve filhos e muitos netos, uma família inteira que sabe que ele é um homem bom, generoso, que sempre gostou de uma boa conversa e de uma boa história. Um homem que sempre gostou de pessoas e abraçou todos esses filhos e netos como se fossem seus, como o foram de facto.

O teu nome, Gastão, é também uma homenagem ao teu Avô e ao que ele representou para o teu Pai. Mas não vejas nele o peso da responsabilidade, antes um símbolo de continuidade. Uma forma de dizer que a família não é uma convenção mas algo de vivo, feito das emoções e do amor que as alimenta.

Mas para lá de tudo isso, o teu nome é uma tela em branco. Quando ouvirem o teu nome, as pessoas atribuir-lhe-ão o significado que tu próprio lhe deres através de tudo o que é único em ti, o que tiveres de bom e de imperfeito, as tuas virtudes ou defeitos. O que tiveres de generoso e de sonhador, a tua sede de descoberta, o teu olhar sobre o mundo, tudo isso será condensado no estandarte que usarás como teu nome, Gastão.

Espero que gostes, meu filho. Mas afinal, foste sempre tu que escolheste o teu nome.

5 comments:

GoncaloCV said...

granda Avô Gastão!! Viva!!

há outra expressão: "à rasca do lombago..."

granda Gastãozinho!!

Essa do citroen só vivendo isso é que se percebe...

besos

Unknown said...

Obrigada Meu Filho, em nome do teu Avô e meu Pai que esteve sempre quando era preciso estar.

É muito bom e muito bonito saber que vocês, os meus filhos, sabem ser reconhecidos e amar quem sempre vos amou como Avô, mais que os de sangue.

Beijos e o muito amor da
M

GoncaloCV said...

"Avô" é mais do que mera biologia, é um título de nobreza difícil de conquistar e que o Gastão conquistou.

Unknown said...

enão se esqueçam da "perna gorda.. pern gorda!..-

Bluedog said...

Que memória guardará de mim o Gastão ?

O que restará de mim ?

Umas idas aos patinhos, o ver o rio, uma certa ideia de ser amigo, um olhar cúmplice, o enxugar de uma lágrima, uma mão pequenina na minha ao pôr do Sol atrás do Bugio...isso já não se esquece !