Não gosto de andar de avião. Já gostei, quando era miúdo, mas na altura até gostava de andar de autocarro ou de escorrega. Hoje em dia as imagens de desastres de avião por alguma razão insistem em aparecer-me durante a descolagem e aterragem do avião, prenúncios de algo que felizmente nunca acontece. É a imagem do Fight Club, as máscaras a voar e o chão lá em baixo iluminado, e nós em suspenso, peaceful as hindu cows. Medo.
Mas há pequenas coisas que continuam a exercer em mim um estranho fascínio - para além das hospedeiras, claro.
Uma delas é a casa de banho do avião. Um pequeno espaço só para nós, para estendermos as pernas à vontade, espremer pontos negros, ler o jornal, fazer a barba. Que maravilha, até podemos dar traques à vontade, o que nem sempre acontece em nossa própria casa. Fechamos a porta, e estamos imediatamente num T3, um privado só para nós numa discoteca cheia de gente. É simultâneamente o espaço mais claustrofóbico e mais amplo do mundo.
Outra experiência única é a espera pela mala. Esperar pela mala é das coisas mais estupidificantes que existem. Pacientemente e ordeiramente pomo-nos junto ao tapete rolante, a vê-las passar, quando no fundo sabemos que até elas aparecerem estão a ser pontapeadas e mal tratadas entre o porão do avião e os carregadores de malas. Estamos só à espera para ver o que é que sobra para levarmos para casa. E curiosamente, ainda se sente naqueles minutos de espera a mesma tensão que existe nas salas de bingo, as famílias a ver quem consegue receber primeiro as malas todas da prole e sair dali para fora. Os portugueses adoram a lotaria, mesmo que o prémio seja uma mala Samsonite que sempre foi deles, à qual partiram o cadeado e que tem agora uma marca de bota que nunca mais vai sair.
Depois, a porta de saída, com aquela escolha que nos é sempre proposta entre "Nada a Declarar" ou a "Alfândega". Qual é o contrabandista de marfim ou narcotraficante que, transportando 20 quilos de cocaína em supositórios, vai preferir passar pela alfândega? E se for apanhado a sair pela zona do "Nada a Declarar", será que a pena é maior? Dão-lhe uma reprimenda?
Finalmente, a saída, aqueles momentos quando vislumbramos a porta automática e entrevemos uma multidão eufórica do outro lado. Há algo de infantil e egocêntrico que nos faz sentir como Lindbergh quando atravessou o Atlântico e tinha uma parada de limousine à espera, confettis a voar, beijos e abraços e recepção presidencial. Durante uns breves instantes somos celebridades num teste de popularidade, com mil olhos a olhar para nós. Quem não tem ninguém à espera passa normalmente em passo largo, de olhos baixos fingindo indiferença. Eu pessoalmente adoro ter a família toda à espera, exagerar na gritaria e até nas saudades se a viagem foi curta, e voltar para mais perto do que é importante.
Thursday, September 29, 2005
Mais longe do que é importante
A TMN mudou de logo, de imagem e assinatura. De uma assentada, com o investimento certamente à escala megalómana destes face-liftings de marketing. Passou a usar o azul, o lettering mais redondo e largou o velhinho "Mais perto do que é importante".
Agora, a assinatura é "Até já". Desaparece assim uma frase que fez da TMN o que é hoje, um pouco gasta talvez, mas emocionalmente forte, que em algumas palavras estabelecia que "um telemóvel não é apenas tecnologia, é uma nova ferramenta do homem social, que eleva a condição humana, estabelece pontes e aproxima-nos uns dos outros". Um tributo às famílias, à amizade, às relações. É bonito, mas acabou-se.
Agora, a TMN diz simplesmente "Até já". Talvez seja um mal menor, porque se esta foi a frase escolhida, imagino as que ficaram de fora:
- Cháu aí
- Chauzinho
- Inté
- Fica bem
- A gente vê-se
- Boas
- Vou ali e já venho
- Jocas fôfas
...
PS: E amanhã vou de férias, tomem conta aqui do blog por mim. Inspector Serra, por favor zele pela seriedade dos comentários, se os houver. Até já.
Agora, a assinatura é "Até já". Desaparece assim uma frase que fez da TMN o que é hoje, um pouco gasta talvez, mas emocionalmente forte, que em algumas palavras estabelecia que "um telemóvel não é apenas tecnologia, é uma nova ferramenta do homem social, que eleva a condição humana, estabelece pontes e aproxima-nos uns dos outros". Um tributo às famílias, à amizade, às relações. É bonito, mas acabou-se.
Agora, a TMN diz simplesmente "Até já". Talvez seja um mal menor, porque se esta foi a frase escolhida, imagino as que ficaram de fora:
- Cháu aí
- Chauzinho
- Inté
- Fica bem
- A gente vê-se
- Boas
- Vou ali e já venho
- Jocas fôfas
...
PS: E amanhã vou de férias, tomem conta aqui do blog por mim. Inspector Serra, por favor zele pela seriedade dos comentários, se os houver. Até já.
Friday, September 23, 2005
Confessionário
Todos nós temos aquele mecanismo de auto-censura que, na maioria das vezes, nos impede de dizer em voz alta coisas absurdas que nos passam pela cabeça. É uma questão de sobrevivência social. Uma espécie de "políticamente incorrecto" pessoal, verdades momentâneas que preferimos varrer para debaixo do tapete.
Nos últimos tempos, estas foram algumas das barbaridades que tive a lucidez de não dizer em voz alta:
- A Ruth Marlene é gira.
- O Simão não anda a jogar nada.
- Os U2 são um bocado repetitivos.
- Aquilo do Live8 foi uma treta.
- Já não há pachorra para os incêndios.
- Ainda sou capaz de votar no Soares, porque o Soares é fixe e os outros não.
- Ainda sou capaz de votar no Carmona, só porque parece ser um gajo porreiro.
- A Fátima Felgueiras até tem um sorriso bonito.
- O Nicolau tem falta de pau.
Nos últimos tempos, estas foram algumas das barbaridades que tive a lucidez de não dizer em voz alta:
- A Ruth Marlene é gira.
- O Simão não anda a jogar nada.
- Os U2 são um bocado repetitivos.
- Aquilo do Live8 foi uma treta.
- Já não há pachorra para os incêndios.
- Ainda sou capaz de votar no Soares, porque o Soares é fixe e os outros não.
- Ainda sou capaz de votar no Carmona, só porque parece ser um gajo porreiro.
- A Fátima Felgueiras até tem um sorriso bonito.
- O Nicolau tem falta de pau.
O jovem Soares
Mário Soares está em pré-campanha no Brasil, onde contactou com empresários e emigrantes portugueses. No seu ar bonacheirão, enfrentou de frente o problema da idade, revelando aos presentes que "está de boa saúde, nunca teve problemas vasculares, e que nunca lhe foi retirada a próstata" (sic).
A política portuguesa não pára de surpreender.
Enquanto a maioria dos políticos faz promessas sobre relançar a economia ou manter a estabilidade governativa, o Mário Soares promete apenas manter-se vivo até ao fim do mandato. Ah, grande Marocas!
A política portuguesa não pára de surpreender.
Enquanto a maioria dos políticos faz promessas sobre relançar a economia ou manter a estabilidade governativa, o Mário Soares promete apenas manter-se vivo até ao fim do mandato. Ah, grande Marocas!
Friday, September 16, 2005
Enquanto isso, na Noruega...
Há dias, como notícia de abertura do jornal da manhã, a TSF anunciou pomposamente que "a Noruega é o melhor país do mundo para se viver". Assim, sem mais nem menos, como um facto confirmado.
Nunca fui à Noruega, mas duvido que seja o melhor país do mundo para se viver. Para mim não será certamente. Imagino um país em que "Verão" são uns quantos dias ali para meio de Julho com um cheirinho do que nós temos por Primavera, e em que o Inverno é longo, penosamente longo. Imagino semanas cinzentas de trabalho vingadas com bebedeiras desmesuradas ao fim de semana, elevadas taxas de suicídios e depressões e apesar disso os jardins sempre impecavelmente organizados, as cores por ordem alfabética. No norte da Noruega, o ano divide-se em seis meses de quase-penumbra e seis meses de um sol que não chega a ser quente e teima em não se pôr, vidas inteiras em jet lag permanente.
Mas segundo o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, a Noruega é também o primeiro país de um ranking que inclui estatísticas como o grau de alfabetização, o PIB per capita, o número de camas de hospital por mil habitantes ou índices de criminalidade. Daí até qualificar a Noruega como "o melhor país do mundo para viver", foi um atalho infeliz, afinal talvez a qualidade de vida se meça de outras formas, algumas até que não cabem em estatísticas.
Ouvi esta notícia de manhã cedo, estava eu no carro a caminho do trabalho e fazia um sol lá fora que dava vontade de dar meia volta e seguir para a Costa. Vinte e quatro graus de manhã. Tinha já combinado ir almoçar a uma esplanada e se conseguisse sair cedo do escritório ainda ia jantar com uns amigos à praia. Que se lixe o défice. Uma brisa quente entrava pela janela do carro, contrariando o calendário que já marcava Setembro, e Portugal era o melhor sítio do mundo para se estar nessa manhã.
Nunca fui à Noruega, mas duvido que seja o melhor país do mundo para se viver. Para mim não será certamente. Imagino um país em que "Verão" são uns quantos dias ali para meio de Julho com um cheirinho do que nós temos por Primavera, e em que o Inverno é longo, penosamente longo. Imagino semanas cinzentas de trabalho vingadas com bebedeiras desmesuradas ao fim de semana, elevadas taxas de suicídios e depressões e apesar disso os jardins sempre impecavelmente organizados, as cores por ordem alfabética. No norte da Noruega, o ano divide-se em seis meses de quase-penumbra e seis meses de um sol que não chega a ser quente e teima em não se pôr, vidas inteiras em jet lag permanente.
Mas segundo o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, a Noruega é também o primeiro país de um ranking que inclui estatísticas como o grau de alfabetização, o PIB per capita, o número de camas de hospital por mil habitantes ou índices de criminalidade. Daí até qualificar a Noruega como "o melhor país do mundo para viver", foi um atalho infeliz, afinal talvez a qualidade de vida se meça de outras formas, algumas até que não cabem em estatísticas.
Ouvi esta notícia de manhã cedo, estava eu no carro a caminho do trabalho e fazia um sol lá fora que dava vontade de dar meia volta e seguir para a Costa. Vinte e quatro graus de manhã. Tinha já combinado ir almoçar a uma esplanada e se conseguisse sair cedo do escritório ainda ia jantar com uns amigos à praia. Que se lixe o défice. Uma brisa quente entrava pela janela do carro, contrariando o calendário que já marcava Setembro, e Portugal era o melhor sítio do mundo para se estar nessa manhã.
Wednesday, September 14, 2005
Tuesday, September 13, 2005
Wednesday, September 07, 2005
Como escrever este post
A primeira frase é a mais difícil. Mais do que encontrar um assunto ou um novo ângulo para um tema sobre o qual tudo já foi dito e escrito, a primeira frase é o que verdadeiramente atormenta o escritor antes de se lançar sobre o teclado e atirar-se às palavras. A página em branco, cruelmente à espera de uma pequena frase brilhante que mereça interromper o seu silêncio. "Hummm, essa não me parece...". Uma frase que tem que convidar o leitor a ler mais, sem revelar demasiado, um aperitivo que tem por missão abrir o apetite, sem o estragar. Talvez seja por isso que uma frase curta resulte melhor, porque não compromete.
Depois da primeira frase, e sobretudo quando é passado já o primeiro parágrafo, tudo se torna mais fácil. Por esta altura não é preciso mais que manter o interesse, cultivá-lo, recompensar o leitor com uma metáfora aqui e ali, como quem casualmente atira sementes à terra pela graça do gesto em si, livre da expectativa de as ver crescer.
Se o leitor nos acompanha até aqui, é bom sinal, o principal agora é não abandonar o caminho iniciado e lentamente começar a preparar o final. Nas entrelinhas alimentar um crescendo de suspense e ir fazendo cair os véus, tentando não pensar no nervoso miudinho de quem não sabe ainda como vai acabar este texto. Sim, porque o fim está já no próximo parágrafo e exige uma frase ainda mais profunda, bem acabada, uma conjugação de palavras que arrebate o leitor ou que pelo menos não deite tudo a perder.
E quase sem dar por isso, só me falta agora uma ideia para começar a escrever o próximo texto.
Depois da primeira frase, e sobretudo quando é passado já o primeiro parágrafo, tudo se torna mais fácil. Por esta altura não é preciso mais que manter o interesse, cultivá-lo, recompensar o leitor com uma metáfora aqui e ali, como quem casualmente atira sementes à terra pela graça do gesto em si, livre da expectativa de as ver crescer.
Se o leitor nos acompanha até aqui, é bom sinal, o principal agora é não abandonar o caminho iniciado e lentamente começar a preparar o final. Nas entrelinhas alimentar um crescendo de suspense e ir fazendo cair os véus, tentando não pensar no nervoso miudinho de quem não sabe ainda como vai acabar este texto. Sim, porque o fim está já no próximo parágrafo e exige uma frase ainda mais profunda, bem acabada, uma conjugação de palavras que arrebate o leitor ou que pelo menos não deite tudo a perder.
E quase sem dar por isso, só me falta agora uma ideia para começar a escrever o próximo texto.
Monday, September 05, 2005
Banksy
Banksy é o nome de um artista inglês, de identidade desconhecida, que tem marcado com os seus graffitis uma forma de intervenção inteligente e mordaz. Crítica a quê? Ao capitalismo selvagem, ao modo de vida moderno - que tem mais de moderno que de vida, como dizia Quino. É um apelo ao desassossego, ao espírito crítico, à intervenção.
A sua última viagem levou-o a pintar vários graffitis sobre o muro da Palestina - um muro com a extensão de 700km e o dobro da altura do muro de Berlim que Israel está a construir a toda a volta dos territórios ocupados.
Ele transcreveu esta conversa com um velho palestiniano que passava:
-You paint the wall, you make it look beautiful.
-Thanks
-We don't want it to be beautiful, we hate this wall, go home.
www.banksy.co.uk
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