Antes de nasceres para o mundo, já preenchias o nosso, tomando presença habitual nas conversas de família, de amigos, o teu nome sempre evocando uma ternura próxima, vontade de te ver chegar. Habituámo-nos a ter-te sempre connosco e começámos a amar-te à medida que ganhavas forma no corpo da tua mãe. Passámos a contar o tempo em semanas, uma contagem decrescente à tua espera, espreitando de vez em quando para o teu pequeno aquário para ver se estavas bem e tentar saber um pouco mais de ti.
Quando cresceres não terás memória destes meses, das festinhas que recebeste de todos, das histórias que a tua Mãe te contou com uma mão sobre ti ou dos muitos pontapés com que lhe respondias, dando sinal de uma energia inquieta, uma curiosidade precoce de conhecer o mundo. Mas guardarás quem sabe uma memória longínqua e vaga das músicas que pusemos para ti, quando te adormecíamos com a caixa de música ou quando tentávamos cativar-te desde cedo para a melancolia doce de Leonard Cohen. Talvez fique gravada em ti nessa voz grave de veludo a memória de um certo conforto familiar, um embalo de calma a que quererás regressar nas noites mais frias.
Nesse tempo que passou entre semanas fomo-nos preparando para te receber, tivemos aulas até para aprendermos a cuidar de ti. Preparámos o teu quarto, pintando-o de cores vivas, e na porta desenhámos uma árvore de corda para nos seus ramos pendurarmos fotografias da tua família, uma forma de todos te darem as boas noites. De mães, irmãs e avós recebemos conselhos para os preparativos, e até os teus primos mais pequenos deram uma ajuda, emprestando-te o teu berço, a banheira e as primeiras roupas que vestirás. E a tua Mãe, mesmo com a barriga a pesar nos seus movimentos, continuou a costurar, a pintar, a serrar e a martelar, construindo com a sua imaginação o cenário dos teus primeiros sonhos.
Nestes nove meses fomos também começando a sentir a mudança nas nossas vidas que chegaria contigo. Seguramente, nada será como antes e passará a haver um "antes" e um "depois" de ti, como uma ponte que atravessamos e que se derruba à nossa passagem, permitindo apenas olhar a outra margem à distância. Mas estamos onde quisemos chegar. Chegamos juntos a esse lugar novo onde um homem e uma mulher passam a ser "Pai" e "Mãe", e tu meu filho uma nova razão para nos maravilharmos com o mundo.