Eu não acredito no euromilhões. Não conheço ninguém que alguma vez tenha ganho sequer mais do que o 5º ou 6º prémio, pouco mais que vinte euros. Acho mesmo que nunca ninguém ganha o jackpot do euromilhões. Admito que o esquema está bem feito, bem publicitado, afinal a chave secreta parece estar todas as semanas à nossa frente, basta encontrarmos o caminho certo entre a caneta e o painel de números. Mas não, a mim não me enganam, o euromilhões é um embuste.
183 milhões de euros. Fiz as contas, e a não ser que tenha um valente aumento salarial na minha próxima avaliação de desempenho, para acumular a mesma quantia vou ter que trabalhar intensamente durante os próximos 7625 anos. Incluindo fins-de-semana.
É disto que o meu povo gosta. O entusiasmo desenfreado que se gera antes dos jackpots do euromilhões é a prova de que nunca ninguém está satisfeito com o que tem. Quando o jackpot são 73 milhões de euros, é ver a corrida aos balcões do euromilhões, filas intermináveis à hora do almoço e às sete da tarde de sexta-feira, colegas de escritórios a fazer poules de apostas, um industrial de Miranda do Douro a gastar cinco mil contos em cruzinhas e a rir-se bacocamente para a câmara da TVI enquanto dá calduços ao puto. Na semana seguinte, foi-se o prémio para a Irlanda, o primeiro prémio passa para 10 milhões e já ninguém liga. “Pois, o que me fazia mesmo jeito eram os 73 milhões de euros para dar uma volta à minha vida, agora 10 milhões, menina, oh isso vai-se num instante”. Pois sim, eu se ganhasse 10 milhões também não mudava a minha vida e continuava a ir na Vimeca para o meu T1 no Barreiro.
O euromilhões é um bilhete dourado ao estilo d’ “A Ilha”, um gigantesco farol construído para manter uma certa ordem e sanidade mental, acenando a todos a possibilidade real de nunca mais termos de trabalhar. Uma réstia de esperança. Uma forma de nunca nos habituarmos à ideia de ter que acordar cedo aos dias de semana, ao conceito de que tudo na nossa vida depende do esforço que pomos nas coisas. E é por isso que o euromilhões é um sucesso enorme em Portugal, não há português que não prefira depositar a sua sorte no jogo das panelas, na raspadinha, totoloto ou no jogo do galo do que na ideia de trabalhar para se sustentar.
Vão trabalhar, malandros!
Tuesday, January 31, 2006
Monday, January 30, 2006
A Vida antes da morte
A ideia da morte incomoda-me. Para além da questão metafísica, ou do pequeno calafrio que me provoca aquela possibilidade de nunca mais voltar a existir, o que me incomoda é todo o ritual. O verdadeiro problema com a morte é que é a coisa mais mórbida que há.
A morte dos comuns não tem nenhum sentido estético, nenhuma nobreza no modo como se entrega um corpo à terra. O caixão solene, uma fotografia demasiado recente, a retroescavadora no cemitério, as covas já abertas para a próxima dezena que está para chegar, as palavras fúnebres, mortuárias, funerárias. Tudo rima com defunto e finado, beatas e carpideiras. É uma cerimónia de dor, de angústia, uma despedida cinzenta pensada para amplificar a tristeza dos que ficam, esquecendo quem parte. Falta alma aos funerais.
Mário de Sá Carneiro dizia: “quando morrer, chamem palhaços e acrobatas”. Essa seria a única forma de celebrar condignamente a partida de alguém. Com a sua música preferida, os seus melhores momentos, as fotografias de férias e de infância, as anedotas que contava, o modo como se ria. Uma despedida alegre que celebrasse também a vida, feita das imagens e palavras que são muito mais eternas que nós.
A morte dos comuns não tem nenhum sentido estético, nenhuma nobreza no modo como se entrega um corpo à terra. O caixão solene, uma fotografia demasiado recente, a retroescavadora no cemitério, as covas já abertas para a próxima dezena que está para chegar, as palavras fúnebres, mortuárias, funerárias. Tudo rima com defunto e finado, beatas e carpideiras. É uma cerimónia de dor, de angústia, uma despedida cinzenta pensada para amplificar a tristeza dos que ficam, esquecendo quem parte. Falta alma aos funerais.
Mário de Sá Carneiro dizia: “quando morrer, chamem palhaços e acrobatas”. Essa seria a única forma de celebrar condignamente a partida de alguém. Com a sua música preferida, os seus melhores momentos, as fotografias de férias e de infância, as anedotas que contava, o modo como se ria. Uma despedida alegre que celebrasse também a vida, feita das imagens e palavras que são muito mais eternas que nós.
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